quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Onde a inocência se acaba...



Inocência. É dificil falar sobre ela nos tempos atuais. Digo isso por que já presenciei muitos fatos que comprovam que a inocência e a pureza são escassas.

Já fui inocente, hoje entendo bem mais da máquina do mundo, dos movimentos das pessoas e dos conflitos de interesses. Mas devo confessar que nos seis últimos anos da minha vida, passei a me conhecer e me aceitar mais como ser humano que tem direitos e deveres de amar quem quiser. Sexualidade não é opção, é obrigação. Devemos aceitar ou encarar uma vida de mentiras.

Quando iniciei minha faculdade, a qual completo este ano, ainda era um inocente sonhador que queria encontrar o grande amor de sua vida em um local romântico como uma viagem para longe, um parque inspirador ou qualquer outro lugar cheio de poesia e significado. A vida aos poucos nos mostra o quanto sonhamos, mas não ligo de sonhar. Sou romântico por natureza.
Em uma de minhas idas para a faculdade, aconteceu um fato que digo ser a transição do romantismo para a realidade nua e crua. Estava eu, de pé em meio à lotação do trem da manhã, provavelmente com sono, e do nada vi um cara ao meu lado. Bonito, usava um boné quase cobrindo os olhos por completo. Minha mão segurava o ferro de apoio, e lentamente, senti alguns dedos tocando minha mão.

Aquele garoto estava, vagarosamente tocando minha mão...

Com o tempo,descobri que o último vagão era o local onde as coisas aconteciam. Homens discretamente pegando em seus órgãos íntimos enquanto olhavam para outros, troca de olhares, insinuações. Mais um tempo e descobri que em determinada estação, o último vagão virava um vagão de pegação gay. Isso mesmo, ali eles se reuniam e faziam todo o possível, principalmente sexo oral. Eu e Ed estávamos indo à cidade uma vez e dois rapazes conversavam e olhavam para nós. Sentimos que eles estavam incomodados com nossa presença. Então, eu disse: "Podem ficar à vontade." Pra que fui dizer?! Começaram ali mesmo um sexo oral. Tivemos até que mudar de lugar para não ver a cena.

Seus dedos tocaram levemente nos meus. Senti o rosto enrubecer. Era real aquilo?

Na primeira vez que tentei ir à parada gay, se não me engano foi no primeiro ano de faculdade, só cheguei à metade do caminho. Conheci um cara, cujo nome não me recordo, feio de dar dó. Ele me viu sentado na estação e veio falar comigo,dizendo que seguindo ao ponto final daquela linha, poderíamos curtir um momento à sós e que eu nem imaginava o que acontecia por ali. Obviamente que eu não fui, mas o achei bem divertido. Também não fui à parada, faltou coragem. Com o tempo, comecei a observar o que acontecia naquele determinado vagão, indo até aquele ponto final. Percebi trocas de olhares para mim. E na estação final, um esquema relacionado ao banheiro. Sim, os gays iam no banheiro para completar a diversão. Alguns me acenavam. Outros tentavam sinalizar. Nunca acompanhei ninguém. Há algo que chamo de índole, essa cada um tem a sua, vem de berço. Cada um escolhe seu caminho.

Dedos se tocavam. A minha inocência me levou para longe. Será que eu era capaz de perguntar seu nome? Será que finalmente estaria tendo contato com meu primeiro namorado? Será que ele estava apaixonado por mim?

Há um lado negro em toda história. O lado negro dos homossexuais é recorrer a determinadas atitudes para conseguir seus objetivos. Atitudes que não concordo. Se há hotéis, motéis, baladas, barzinhos, por que ir a uma estação, correr risco de pegar doenças de banheiro, por que se submeter a isso? Não é mais fácil agir normalmente? Nunca seremos nada além do que somos sem dignidade. Não vou negar que já me aproveitei da situação e que já não tive boas ficadas no trem, por que estaria mentindo. Mas jamais deixei ninguém fazer nada além de beijar-me. A sensação de perigo, a emoção de fazer algo aparentemente proibido,tudo isso gera adrenalina. Mas tudo tem seu limite. E este limite que me separa de todos os outros. Não serei hipócrita dizendo que somente os gays fazem prevaricações e indescências, muitos héteros têm ações semelhantes ou piores. Só o que eu digo é que o que nos define é nossa índole.

Nossas mãos então se fecharam, uma em cima da outra. Estávamos conectados, em meio àquelas pessoas indo ou voltando de seus trabalhos, mergulhados em seus próprios problemas. Eu e o rapaz de boné estávamos ali, parados entre eles, de mãos praticamente dadas, como se o mundo inteiro não existisse.

O mundo nos rejeita. Cabe a nós criarmos mecanismos de defesa, escapes do cotidiano. É normal, as necessidades criam isso. Descobri que alguns gays vêm do outro lado de sampa só para sentir um pouco de prazer naquele local, naquele banheiro. No último fim de semana, encontrei um antigo colega de trabalho que me apresentou um grupo. Isso mesmo, um grupo cuja finalidade era ir caçar ali.


"O que você faz?" Perguntou um deles para mim.

"Ah, eu sou design, estou procurando emprego..."

"Não... o que você faz... por aqui?"

Sim, ele queria saber se eu curtia chupar, dar ou comer... Indignado, disse que só ia ali para beijar na boca, e eles riram com indignação. Graças a Deus eu não seria aceito no grupinho, mesmo por que não foi essa a vida que escolhi pra mim. Acabou que voltei para casa muito pensativo. Como aquele meu amigo do emprego, tão inocente quando trabalhou comigo, a ponto de, na época eu tê-lo chamado para a balada e ele ter respondido "Vamos à igreja" teria se transformado nisso, um cara que ia para a estação "bater uma" e se engaufinhar no banheiro. Me entristeci, percebendo o fim da inocência dele, por quem já tinha tido uma quedinha. Hoje em dia não conseguiria beijá-lo, pois pensaria até que ponto ele chegou. Levar uma vida na linha tênue entre estar saudável e contrair uma doença por bobagem... Não era para mim.


Chegou minha estação. Eu teria que descer ali. A mão do rapaz deixou a minha, e minha inocência não permitiu que eu passasse de estação e visse até onde aquilo chegaria. Mas amanhã era outro dia, pensei. O tempo passou e eu tentei todos os horários possíveis. Nunca mais o encontrei. Mas encontrei muitos outros com intenções semelhantes, olhares enganadores e pensamentos ousados. O proibido é mais gostoso, desde que feito com descência. Mas isso é minha humilde opinião.

Ontem tive um encontro. Foi com um cara que conheci há umas duas semanas na net. Max é o nome dele. Tive que batalhar muito para conseguir encontrá-lo, contra sua insegurança e contra meus medos, por que ele não possuia foto nem celular para se comunicar. Não sou de dar tiro no escuro. Mas dessa vez mudei as regras do jogo, pois os papos na internet me deixaram cada vez mais intrigado. Um rapaz de 21 anos que nunca fez sexo, isso me lembrava a mim mesmo. Nos conhecemos, assistimos um filme e conversamos. Enquanto ele falava, eu via a mim mesmo em suas palavras, um garoto com uma ingenuidade e pureza que há muito não sentia. Sim, eu estava diante da inocência mais uma vez, o que em meio àquele mundo de sexo no banheiro sujo e pegação sem proteção era um verdadeiro milagre. E eu adoro milagres. O encontro de ontem veio me mostrar que nem tudo está perdido e que o amor é possível. Acredito no romance, no amor e repudio a traição. Podem dizer que sou careta, podem falar que sou um sonhador. Mas jamais vou me admirar pelo errado, jamais vou contra meus princípios. E sei que, se penso assim e se o rapaz de ontem pensa assim, então milhões devem pensar e se orgulhar da forma que pensam. Acredito, até hoje na inocência daquele vagão de trem, daquelas mãos se tocando... e vou morrer acreditando...

3 comentários:

ThinkerBoy disse...

Lugar ao sol,

Gostei de ler isso, sinceramente, achei que eu fosse o último gay que acreditava no amor. Não acredito no amor virtual, é muito raro e praticamente impossível. Mas gostei de ler que as coisas começam a caminhar pra ti, sorte com o boy.

Abraços,
Thinker

Ratio X disse...

Tão bom ler coisas do tipo ainda que tudo mostre que estamos errado sempre a vidamostra a esperança... estou em um fase de descredito de amor entre homens...=( mas ainda confio no amor...

queria tc com vc,cmo faço sou de belem - pará

James disse...

Valeu os comentários, pessoas!! Acreditemos sempre no amor, só ele é capaz de dar sabor às nossas vidas, abraço a todos!!