quinta-feira, 25 de março de 2010

OBIs: A Suprema Obsessão: Parte III: Quando milagres acontecem...



Alvaro não morreu.
Teve alguns ferimentos leves, mas entrou para a caixa. Ficaria de três a cinco meses fora e teria que fazer fisioterapia. Eu estava sozinho. Em um setor isolado nos fundos da empresa, trabalhando com meu pior inimigo.

Meu coordenador agora era um japonês, gente fina até. Ele ficou sabendo que eu tive problemas com o Edgar e até conversou comigo sobre o assunto, pedindo que eu fosse nele se as coisas ficassem ruins de novo que ele resolveria.

Eu e Edgar trabalhamos alguns dias com a colaboração de alguns descarregadores de caminhão, mas na semana seguinte, novos auxiliares contratados especialmente para trabalhar no setor iriam chegar. Sempre na hora de ir embora, Edgar dizia que ficaria mais um pouco,que iria depois.

Na semana seguinte, conhecemos Osvaldo. Edgar ficou ensinando-lhe o trabalho inicialmente e logo percebi que o rapaz gostava de uma boa conversa. Edgar conseguia ser simpático com ele ao extremo e deixei os dois conversando. Osvaldo era bonitinho. Na hora da janta, primeiro foi Edgar e depois eu fui jantar com Osvaldo. Nesse momento, os outros auxiliares vieram perguntar o que Osvaldo estava achando do "chefe" Edgar. E ficou sabendo da maioria dos podres dele sem que eu precisasse abrir minha boca.

O que rolou nas semanas seguintes foi uma estranha e silenciosa batalha. Edgar demorava mais do que uma hora na janta e conversava o dia todo, enrolando para fazer seu serviço. Em revide, eu demorava na janta também, ficava com o Osvaldo de boa, e este aos poucos ia percebendo as folgas de Edgar, sempre reclamando pra mim. Um dia voltamos da janta e haviam umas latinhas que fizerambarulho quando abrimos a porta. Edgar saiu do meio dos Pallets logo em seguida. Provavelmente enquanto jantávamos, ele dormia ao invés de trabalhar. Osvaldo pedia que eu falasse com o nosso coordenador sobre tais problemas mas eu não podia. Pelo menos não por enquanto. Na hora de ir embora, Edgar sempre dizia que ficaria um pouco mais. Nós partíamos.
O segundo auxiliar chegou. Seu nome também era Edgar, mas o chamarei de Silva para não confundir. No primeiro dia que eu vi o Silva, falei:

"Cara esquisito."

Não falei muito com ele. Ele e Edgar ficaram trocando idéia sobre a época em que serviram o exército. as Silva parecia muito lerdão pra ter servido. Até sua forma de falar era mais lenta e mole, engraçado. Um dia ele olhou para mim, que quase sempre trabalhava quieto, evitando encrencas, e perguntou se eu era da congregação. Confirmei. Começamos então a conversar, ele também era. Ele contou que às vezes tinha um sonho em que se olhava no espelho e via um demônio. Esquisitão. Gostei dele.
Passamos então a ir jantar, nós três, e deixar o Edgar trabalhando sozinho. Ele se isolou por si mesmo.

Acho que foram dois meses naquilo. Em meio ao processo, ganhei outra atividade do meu coordenador e Osvaldo e Silva revesavam comigo, era sempre bom tê-los por perto. Naquele tempo, fiquei conversando com o Alvaro pela internet, o que era bem legal, ele ficava se vangloriando que estava de boa enquanto eu trabalhava.
Foi então que chegou aquele sábado. Edgar não veio trabalhar no horário. Tive que ir buscar um Pallet com Osvaldo lá na frente enquanto o Silva ficou trabalhando no setor sozinho. Conversamos bastante com o Jonas lá na frente, que falou muito sobre o Edgar e sua irresponsabilidade. Ele contou acreditar que algo bom acabaria acontecendo. Eu não tinha esperanças. Quando voltamos ao setor, Edgar havia chegado. Eu e Osvaldo começamos a discutir sobre o que faríamos e ele veio até nós, olhando bravo e dizendo:

"O que os dois estão cochichando ai?"

Um pouco antes do almoço, Edgar foi para minha mesa e começou a trabalhar perto de mim, me provocando. Não sei como começou, mas se desenrolou mais ou menos assim:

"Você devia ter tido vergonha na cara e ter ficado lá na separação, não devia ter voltado!! Sei muito bem que você fica de conversinha com o Jonas, que fica fofocando que nem uma mocinha!! Você não presta pra trabalhar aqui!! Em lugar nenhum!! É Muleque e tem muito o que aprender ainda!! Se fosse lá fora, Rod, eu já tinha lhe arrebentado a cara!!"

Óbvio que eu não fiquei calado. Ele batia repetidamente na mesa enquanto falava e eu o repelia na mesma intensidade, dizendo que ele não prestava. Provavelmente ele estava drogado. Osvaldo e Silva tentaram parar a briga que se estendeu aos gritos.

Deixei minhas coisas lá e fui amoçar sozinho, sem a companhia deles, que vieram logo atrás de mim. Confesso que estava mal. Não poderia levar aquilo a ninguém. Edgar era capaz de me atacar fora da empresa, como o Alvaro me disse uma vez: Ele era barra pesada. Silva e Osvaldo sentaram comigo e perguntaram se eu estava bem. Disse que não, e que seríamos vítimas dele enquanto estivéssemos ali. Vi Silva conversando com o Ed depois da comida, mas fiquei na minha. Desanimei completamente. Os dois começaram a insentivar-me a contar a verdade ao coordenador. Mas eu não podia.
Ed me chamou antes de eu voltar do almoço:

"Somos amigos?"

"Somos, ué..."

"Então por que você não me conta as coisas?"

"O Silva andou falando, né?"

"É, tive que saber por outro, ele disse que teve a maior briga lá no fundo!!"
"Teve. Não sei mais o que fazer."

"Você precisa dar um ultimato."

Voltando do almoço, Silva e Edgar subiram para imprimir etiquetas e eu fiquei com o Osvaldo. Eles voltaram e todos trabalharam em silêncio. Pensando hoje, como fui um idiota de aguentar tudo aquilo calado, eu deveria ter encostado o Dario na parede e ter exigido sair dali. Mas tudo bem.

Na hora de ir embora, descemos os três juntos e Edgar ficou para trás. Eu sabia que Edgar estava querendo acabar comigo e que eu estava em potencial perigo. Os dois atravessaram a rua, pois peavam o ônibus do outro lado. Então, Edgar virou a esquina e caminhou na minha direção. Lembro que meu coração disparou. O tempo pareceu dilatar-se. Parecíamos estar somente nós dois naquele local. Ele caminhou e passou por mim lentamente. Não o olhei. Fiquei de cabeça erguida e ele passou por mim, não sei se me olhou ou não. Partiu.

Segunda feira foi dia de inventário, onde nosso setor era o que mais participava pois tinha ligação com a contagem. Ed me chamou próximo ao horário de saída.

"Você não parece bem, está abatido."

"É, eu to meio estranho, encurralado, na verdade. Eu tenho que contar ao meu coordenador o que ele fez mas não posso. Sei que as coisas ficarão feias se eu fizer isso."

"Confie na providência divina, é bom as vezes. Acho que Deus não deixaria nada te acontecer."

"Só um milagre pra me salvar mesmo."

Foi então que chegou terça feira. Eu decidi contar ao meu coordenador o que havia acontecido. Logo que eu cheguei, soube que haveria uma reunião às duas horas da tarde. Passei pelo Edgar e virei a cara. Acho que jamais o encararia de novo. Cheguei no meu setor e meu coordenador me chamou. Saímos andando e conversamos.

"Você acha que o Edgar trabalha bem?"

"Não posso dizer. Você é o coordenador."

"Estamos pensando em tirá-lo do setor, você acha que daria conta?"

"Eu daria. Mas não quero que ninguém se prejudique."

Subimos no segundo andar e eu peguei as etiquetas. Mauro, o supervisor da empresa me cumprimentou e pediu que eu chamasse o Edgar para lá, pois o rádio não estava funcionando. Voltei ao meu setor e, sem olhar para o infeliz, dei o comunicado.

"Estão te chamando lá em cima."

Só disse isso. Ele largou o que estava fazendo e partiu. Dez minutos se passaram e fomos chamados para a reunião. A empresa toda, incluindo RH, cozinheiros e limpeza estava presente. Vimos movimentação de seguranças nos arredores. O diretor da empresa desceu e juntou-se a nós. Nunca vi uma reunião tão completa. Só faltava uma pessoa.

Edgar colocava latinhas vazias para acordá-lo quando chegávamos.

Ele dizia que ficaria um pouco mais todo dia enquanto íamos embora.

Ele não estava presente na reunião.

Então, o diretor se pronunciou.

"O funcionário Edgar não faz mais parte de nosso quadro de funcionários."

Jonas disse que algo bom poderia acontecer em breve. Ed disse para eu confiar no divino, pois um milagre poderia acontecer.

Não pude conter o meu sorriso e surpresa enquanto ouvia aquelas palavras serem pronunciadas...

"Edgar foi pego roubando produtos no setor novo. O forçamos a se demitir sem nenhum direito, caso contrário chamaríamos a polícia..."

Isso é o que eu chamo de providência divina!!!

Infelizmente não foi ai que a história de Edgar acabou em minha vida...
quarta-feira, 24 de março de 2010

OBIs: A Suprema Obsessão: Parte II: Quando você se vai...



Você já deve ter tido um inimigo. Aquela pessoa que não pode estar aonde você está, que não pode coexistir com você. Se você nunca teve um inimigo, com certeza ainda terá um. Esses inimigos nos fazem amadurecer, mesmo que há muito custo. Para contar do cara que mais gostei na empresa, é necessário falar do que eu mais odiei também. Seu nome era Edgar. Nos conhecemos no dia do exame médico, conversamos antes de entrar na sala para fazer os exames. Me pareceu boa pessoa, humilde até. Pura fachada. Na empresa, revelou-se o mais insuportável e mesquinho dos presentes. Cada frase que dizia era uma afronta ou uma indireta, principalmente com relação à minha sexualidade. Ele sabia de mim, sem dúvida. Havia vezes em que falava:

"Rod, não precisa ter medo,estamos no mesmo barco. Preto e viado sofrem o mesmo tipo de preconceito."

Ele era negro e parecia menosprezar a si próprio. Minha presença parecia ser para ele uma ofença. Vivia falando de mulheres, perguntava várias coisas sobre eu com elas e eu sempre inventava mentiras, tentando convencê-lo como se isso fosse mudar algo. Eu simplesmente não suportava conviver com ele. O maior motivo de eu querer sair da empresa no vencimento de seu contrato era ele.
Fui efetivado. David deixou a empresa. Edgar me viu triste naquele dia.

"Hah, ele saiu e outro entra. É bom que sobram mais vagas pra gente."

Repulsivo. Eu fazia o possível para ignorá-lo. Um dia, recebi uma tarefa do inventário de retirar alguns pallets do caminho e isso atrapalhou Edgar em um serviço que ele estava fazendo. Eu estava perto do Alvaro quando tudo aconteceu. Edgar veio até mim tirando satisfações e gritando, dizendo que eu estava atrapalhando o serviço dele. Eu sou marrudo, e na hora só me veio continuar meu serviço. Ele foi pra cima de mim e pegou o meu carrinho no qual levava o pallet. Minhas mãos seguraram junto às mãos dele. Lembro que aquele momento parecer uma eternidade. Íamos nos atracar ali mesmo. No dia, quem estava na liderança era Jonas, um rapaz de uns trinta, aspirante a líder e sonhador que sempre ficava de líder na ausência de Dário, o coordenador oficial. Ele veio nos separar, dizendo:

"Ou vocês trabalham juntos ou não sei aonde vamos parar!!"

Minha relação com Edgar não poderia ser pior. Alvaro me chamou de canto naquela noite.

"Rod... Toma cuidado com o Edgar. Ele não é como os outros!! Ele é barra pesada!"

Lembro que aquelas palavras me abalaram enquanto eu dizia não ter medo dele. Eu estava apavorado e pior: Não sabia o que fazer para que ele largasse do meu pé. Usei a tática de ignorar. Passei a não falar mais com Edgar.
Depois de ser efetivado, Dário chamou a mim e ao Alvaro e nos disse que dali em diante, cada um treinaria uma semana no que chamavam de cabine: Uma espécie de cérebro no centro do galpão, onde dois rapazes cuidavam da parte burocrática da empresa, como notas de entrada e saída, verificação de caminhões e alocação de mercadoria. Eu fui o primeiro a ser testado. Fiquei treinando com um rapaz que todos chamavam de nerd. Tinha uns óculos grandes e era anti-social, porém um gênio. Dezenove anos, Roberto parecia ser mais velho. Ele não soube me ensinar absolutamente nada. Eram tantos procedimentos, um sistema de computador intrincado. Eu simplesmente não entendia nada. Aos poucos fui desanimando e meio que desisti. Naqueles dias de começo de mês, era mais interessante ficar com o Alvaro, andando para cima e para baixo, cercando-o e rindo com nossa bela amizade. Enquanto Roberto ficava lá sozinho.

Passaram algumas semanas. Dário me ofereceu uma vaga em um novo setor da empresa. Não pude aceitar, por que o horário de lá era administrativo, das oito da manhã às seis da tarde e eu tinha a faculdade. Mas eu fiz questão de dizer ao Dario que Alvaro separava bem e que o ideal era colocar Edgar no novo setor. Não demorou muito, Edgar mudou de horário em seu novo cargo. Eu e Alvaro ficamos felizes.

Após as semanas de treinamento, começou a correr um boato na empresa que eu seria o próximo auxiliar logístico, o cara que ficava lá no centro do galpão, sentado ao computador resolvendo todos os problemas. Muitos se revoltaram e Alvaro até desistiu de competir. Mas eu não me sentia preparado naquele momento. Enrolava e acabava ficando boa parte do dia com o Alvaro. Na semana seguinte, Roberto parou próximo a mim e ao Alvaro e pronunciou a sentença:

"Alvaro... guarde suas luvas. Você foi o escolhido pra me ajudar no computador!"

O mundo desmoronou. Quer dizer que Alvaro, que entrou depois de mim, estava ganhando a oportunidade de mão beijada e eu estava ficando pra trás... e sozinho naquele galpão?! Toda aquela admiração e brilho que eu sentia pelo Alvaro findaram naquele instante.

No meio do dia, ele veio até mim.

"Cara, meu cérebro está até doendo! É muita informação ali... e o Roberto não ensina bem..."

"É... Também acho."

Depois me calei. Ele olhou para mim.

"Ei, o que foi?"

"Nada."

"Não, perai... Tá bravo por que eu to lá?"

"Não, quem disse?"

"Eu to vendo, né... escuta, foi uma surpresa pra mim também. Semana passada tava todo mundo falando que você ia estar lá... Eu já tinha até desistido. Fiquei feliz por você!! Eu espero que você fique feliz por mim..."

Havia naquele garoto um poder em suas palavras que não podia perceber. Um poder de me convencer. Ele conseguiu me convencer de que estava tudo bem. Combinamos de jantar juntos todos os dias e eu não conseguia parar de ver a hora de jantar. O resto do dia sem ele era insuportável. Quando foi efetivado na empresa, Alvaro comprou uma moto e vivia me contando das inconsequências que realizava com outros aloprados de seu bairro.

Ele pegou o jeito naquele trabalho, enquanto eu queria apenas subir no RH e pedir minhas contas, era insuportável continuar estacionado aonde eu estava. Comecei a investigar por que não tinha conseguido o cargo. Me falaram que Roberto tinha queimado meu filme. Eu sabia que ele era um manipulador. Quis avançar nele, trucidá-lo. Mas lógico que não podia. Fiquei com muito ódio dele. Fui então desabafar com Jonas, o cara que sabia que podia contar ali, pois ele sempre desabafava seus sonhos de virar lider algum dia comigo. Falei que esperava ter virado auxiliar logistico e contei que provavelmente o Roberto havia queimado meu filme.

"Não, Rod... Não foi ele. Quem questionou O Dario sobre sua preparação para o cargo fui eu..."

Mais uma virada de mesa. E das feias. O cara que eu confiava e que tinha voz ativa com meu coorenador foi o responsável por perder a disputa. Fiquei decepsionado. Arrasado.
Para piorar, No fim da tarde daquele sábado, Dario veio até mim:

"Então, Rod... A partir de segunda feira, como a demanda no novo setor está forte, serão feitos dois turnos. Vou precisar que você trabalhe com o Edgar a tarde lá."

Não. Devia ser algum tipo de experimento maligno: Manter eu e Edgar, meu pior inimigo, nos fundos esquecidos da empresa... Nos mataríamos definitivamente. Fiquei sem ação com a ordem que ele me deu. Quando voltei a mim, ele já tinha partido.
Segunda feira, fui para os fundos. Avisei ao Ed e ao Alvaro que logo voltaria, que aquilo não daria certo. Fui para o novo setor, uma espécie de resgate de produtos. Trabalhei o dia todo com o Edgar, evitando falar o máximo que pude. As horas arrastaram-se. Ao fim do dia, faltando cinco minutos para as vinte e duas, horário de sair, Edgar começou a me dizer o que fazer:

"Limpa o chão ai, essa é a nossa área, a gente tenque cuidar!"

"Você não precisa me falar o que fazer."

"Perai, pera... Você não tá aqui pra trabalhar? então você vai trabalhar!! Se não quer trabalhar, cai fora e eu falo pra colocarem outro aqui!!"

Eu era algum tipo de empregado dele? Acho que não. Enjuriado, virei pra ele com ódio.
"Eu achei que isso podia dar certo, cara, mas não vai dar!! To fora!!"

Deixei tudo lá, para ele limpar e caminhei sem olhar para trás. O setor ficava nos fundos da empresa, tinha que andar muito para chegar à área de separação. Fui direto em Jonas.

"Cadê o Dario?"

"O que foi, você quer ajuda?"

"É só com ele!!"

Dario apareceu e eu expliquei a situação.

"Não posso trabalhar com ele!! Não posso!! Me tira de lá!"

Na hora ele concordou, sem pestanejar. Dia seguinte, cheguei com um sorriso indisfarsável no rosto e comuniquei a Ed e Alvaro que meu plano tinha dado certo: Arranjei confusão e voltei para o setor antigo. Os dois ficaram orgulhosos. Durou apenas um dia aquela experiência maligna. Durante toda aquela semana, não fui para o setor dos fundos, meus companheiros ficaram lá. Fiquei sozinho no setor de separação, mesmo sem nada pra fazer. Sábado chegou e Dario veio novamente até mim:

"Eu te garanto, tive uma conversa com o Edgar! Ele mudou, Rod. Eu preciso de você nesse novo setor!!"

Naquela noite, Alvaro pegou sua moto e foi para casa como sempre fazia.

"Você tenque aproveitar as oportunidades de crescimento que a vida te dá, Rod!! Aproveite!!"

Em uma esquina, saía um caminhão de uma empresa. Caminhão baú. Não sei como aconteceu direito. Alvaro desviou de um carro e acabou se jogando contra o caminhão.

"Eu me responsabilizo daqui pra frente. Faça somente o seu trabalho. Não deixe essa chance passar..."

Alvaro bateu de cara contra o baú. Não sobrou nada de sua moto, esmagada pela roda.

Na segunda feira, aquela notícia se espalhou por toda a empresa. Eu fiquei apavorado em busca de notícias.
Caminhei ao setor novo. Lá estava Edgar. Como um cordeiro caminhando para o matadouro, avistei meu pior inimigo, sem saber o destino do Alvaro no hospital. Edgar não me olhou, nem eu olhei para ele.

As portas do novo setor se fecharam nas minhas costas...

Destroços no asfalto...

Naquela altura, nada mais poderia piorar em minha vida...
segunda-feira, 22 de março de 2010

OBIs: A Suprema Obsessão: Parte I: Quando você me pede...



Não sei se o que eu senti foi amor. Se foi paixão. Mas sei que foi obsessão. Isso tenho certeza absoluta. Tudo começou na última empresa que eu trabalhei em logística, na mesma em que eu conheci o Ed. Em uma noite, meu chefe pediu que eu fizesse um senso. Uma epécie de listagem das pessoas que trabalhavam na empresa. Não eram muitas, menos de trinta, não foi difícil fazer. Isso meio que causou uma familiarização com o pessoal. Considerando que eu era de ficar muito na minha, foi algo bom.

No dia seguinte, logo que cheguei, o vi no vestiário. Um garoto, parecia bem mulecão. Dezenove anos. Logo que eu avistei o sorriso dele, meio tímido diante de todas aquelas pessoas que não conhecia, algo mudou em mim. Peguei minha prancheta e fui trabalhar. Assim como ele, eu era auxiliar. Mas estava com o senso na mão. Então, caminhei até ele e gentilmente, peguei seus dados. Seu nome era Alvaro. Ele me olhou curioso:

"Você faz o que aqui? É de um cargo superior?"

"Não... me deram esse trampo, mas sou... auxiliar como você."

Aquilo bastou para que fizéssemos amizade. Passei o resto do dia ensinando o trabalho para ele, conversando e me derretendo para tudo que ele dizia. Foi assim que a gente ficou amigo, andando juntos e falando da vida. Eu era um bobão, na época não tinha feito muita coisa além de umas "ficadas", enquanto ele aos poucos foi revelando o quanto era bom com as garotas.

Óbvio que eu não tinha chance com ele. Eu deveria ter desencanado e seguido em frente.

Passado meu tempo de experiência, era preciso me decidir se iria ser efetivado ou não. Nunca mentiram para mim, sempre soube que trabalhava mal. Mas o que eu poderia fazer? Acordava às cinco da manhã, ia para a faculdade, saía às 11, chegava meio dia em casa, almoçava correndo, saía meio dia e meio para chegar uma e meia no serviço e trabalhar até as 22 em um emprego pesado de levantamento de caixas, algo que eu odiava. Eu simplesmente não tinha ânimo, força de vontade, e como era (e sou) bolsista, sentia que deveria sair e arranjar um estágio. Fiz uma lista de motivos para ficar e para sair da empresa. A lista para sair era mil vezes maior. No dia seguinte, cheguei na empresa decidido. Meu chefe Dário (ele era muito bonzinho,bom demais) foi falar com um por um dos auxiliares, e eu fui o último.

"Então, Rod, você não é um dos melhores auxiliares, mas eu lutei por você e eles lhe darão uma chance. Você vai ser efetivado, mas sua produção terá que melhorar."

Era impossível melhorar. Era impossível. Eu decidi. Sairia dali, mentiria para meus pais que tinha sido demitido e bola pra frente.

No dia seguinte, cheguei e antes de me trocar, fiquei esperando meu chefe. Meus colegas passavam por mim e eu ia dizendo que partiria. O david parou e falou:

"Não vai não, doido, a empresa é boa!!"

Eu estava irredutível. Francisco, chefe da sala de Expedição, que sempre brincava comigo, veio até mim e lamentou que eu partiria. Avistei o Dário e fui até ele. Com a voz trêmula, falei:

"Me desculpa, Dário, mas a vida tá muito corrida. Eu realmente não vou aguentar ficar. Tenho que encontrar estágio."

Ele fez uma cara de chateado, e eu já esperava ir embora ali mesmo. Mas então ele falou:

"Ok, então você cumpre o contrato e parte depois."

NOOOOOOOOOOOO!!!! Cumprir contrato?? Não imaginava isso. Naquele dia, então, vivi o melhor e o pior dia até então. Todos vieram até mim perguntar:

"Você vai mesmo? Não acredito!!"

"Vou."

"Você tá cometendo um erro."

"Pois é."

Eu já tinha decidido. Já tinha preparado meus pais para o pior. Nada me faria mudar de idéia. Eu tinha vários inimigos no local, pessoas repulsivas que eu detestava. Um deles era o Edgar. Brigávamos quase sempre. E foi ele quem veio dizer: "Você está cometendo um erro." Apesar de ser permeado por dúvidas, ainda assim estava irredutível.

Foi então que o Alvaro caminhou até mim. Me olhou nos olhos e proferiu aquelas palavras que mudaram minha vida pelo próximo ano:

"Não vai não, Rod... ninguém aqui presta. Você é meu único amigo..."

Eu senti o peso do mundo nas minhas costas. Senti todo o meu plano desmoronar. Dário veio até mim e, ainda sentido, perguntou:

"Você tem certeza que quer sair?"

"... Não... Não tenho certeza de mais nada..."

De noite, serviram macarrão e eu passei mal, coloquei toda a comida para fora. Meus colegas viram e chamaram o Dário. Ele me mandou ir embora. Enquanto arrumava minhas coisas, duas das pessoas que eu mais detestava no local vieram e disseram que eu tinha que ficar, que eu estava cometendo um erro.

Acabou que no dia seguinte eu cheguei para meu chefe e decidi ficar... Foi a maior correria para acertar os documentos em tempo. Ouvi muita zoeira depois contra mim, dizendo:

"O Rod nunca separou nada de caixas e ainda fez doce para ser efetivado."

Nem ligava, o importante, o MAIS importante era que ELE tinha me pedido pra ficar e eu fiquei... Foi o começo do meu pesadelo.
quinta-feira, 18 de março de 2010

Reflexões sobre a impessoalidade





A vida é tão involuntária.
A vida é tão cuspida, escarrada.

Ah, a vida é tão insuportavelmente viciante que deveria se ter tratamento pra se livrar do vício da vida.

A morte é tão inconveniente.

A vida é tão impessoal. Tão obrigatória. Não escolhemos nascer, não escolhemos nosso nome, não escolhemos crescer. Crescer, viver, morrer, sonhar.

Somos um emaranhado de automatismo impessoal.

A morte é tão estraga prazeres.

Tão aliviante, se nada mais for além dela.

Não acredito no inferno. Acredito no divino, mas acima de tudo na bondade do divino, não na punição que possa existir no além. Não acredito no ser humano, nem na bondade da maioria deles. Somos inteligentes, e por isso falhos. Somos conscientes. Somos livres.

Liberdade mascarada de um sistema que nos prendeu, ainda que livres sejamos.

Acredito que o mal exista.

O mal é originado da distorção da mente humana. É natural, ainda que cruel como uma doença.

Um vício.

A vida é então, cruel em sua essência.

A crueldade do homem é uma resposta.

Podemos ser salvos?



Nascemos condenados.
Vivemos perdidos.
Morremos sozinhos.




Ainda que acompanhados...

Como meus amigos souberam? Parte III: Ju



A Ju foi a última a descobrir, tive certa dificuldade pra contar pra ela por que ela nunca havia dado um sinal de opinião em relação à homossexualidade, e devido á minha insegurança, não sabia como fazê-lo.

Conheci a Ju no segundo ano do colegial. Eu e Paul, um amigo que desconfio também ser gay, estávamos querendo fazer novas amizades. No intervalo, o Paul falou com uma garota da sala e nos levou para conversar.

Paul: "Oi, Ju, esses é o Rod. O irmão dele desenha, você que gosta de mangá..."

Ju: "é?"

Rod: "É sim..."

Ju: "Ah, legal..."

Paul: ...

Rod: ...

Ju: "Ah, legal... então, depois a gente conversa!"

Tá, essa primeira conversa foi horrivel. Eu ficava sem jeito com a Ju. Ainda assim, tinha decidido esquecer a Hayashi e me dedicar a outra garota. Então escolhi a Ju. Um dia, sentei perto dela, na sua frente, no canto contrário da sala em que sentava, e puxei assunto sobre "Senhor dos Anéis", ela era fã. O 1° filme iria lançar naquele ano. Ai pronto, o assunto fluiu que fluiu. Mas eu não cabia na fila dela. Ainda assim,na aula seguinte ela falou: "Olha, Rod, tem ugar aqui!!" Nunca fiquei tão feliz. Sentávamos eu na frente e a Ju atrás. Mas vivia dando briga na fila por que eu estando lá apertava todo mundo no fundo. Ainda assim eu resisti à pressão. A Ju logo apaixonou-se e eu meio que desencanei. Me tornei um ouvinte de seus problemas, de seus causos, de suas desilusões em por que não,de seus amores. Nem deu tempo de me apaixonar. Mas nos tornamos amigos, consegui superar a japonesa. Além disso, ela tinha uma espécie de lado obscuro que eu não podia acessar e isso me frustrava. Às vezes ela era muito alegre e amiga, outras vezes sentava num canto e ficava calada, de mal com a vida. Até eu perceber que isso era coisa dela e aprender a respeitar, foi um árduo caminho.

Acabando o colegial, trocamos endereço e passamos a enviar cartas. Passou um tempo e as cartas sessaram. No fundo eu sentia que aconteceria, sabe quando você sente?! Estranho. Desisti, então.

Acho que dois anos se passaram. Eu comecei a fazer curso de 3d na cidade e em uma manhã, indo pegar o trem, encontrei por acaso aquela grandiosa pessoa (ainda que seja baixinha). Acaso? Destino? Tire suas conclusões. Mas eu estava errado. Nunca imaginei que aquela amizade conturbada que tivemos, cheia de brigas e desestablilidades iria continuar depois do colegial. O fato é que depois desse dia, nunca mais nos separamos, mesmo ela no Piaui e eu aqui.

Antes dela partir, eu tinha que contar a ela sobre eu ser gay. Saíamos juntos mas faltava algo. E eu, falando em metáforas, dizia ser uma caixa de pandora, dizia ter outro eu dentro de mim que ninguém podia conhecer. Ela não entendia nada e as vezes se sentia mal por mim. Mas eu tinha o maior medo de abrir o jogo. Então, em uma conversa pelo google talk, eu revelei a ela.

"É? E dai?"

Nossa, foi a reação mais inesperada que eu já ouvi. Ela contou que isso não mudava em nada nossa amizade. Pessoalmente, falamos pouco sobre o assunto. Quando a coisa começou a esquentar, ela partiu ao Piaui pra se formar em Biologia. Conversamos por telefone atualmente, mas nossa amizade está mais forte do que foi no passado!! Inclusive ela me chamou pra ser padrinho do seu casamento, já avisei que sou pão duro, ela quis mesmo assim. Valeu por tudo, Ju, ti amo, pequena.
PS: Hoje, dia dessa publicação, também é aniversário dela, puxa, que coicidência!! Parabénnnsss pra Juuuu
quarta-feira, 17 de março de 2010

Como meus amigos souberam? Parte II: Ed



A coisa foi meio automática com o Ed. Batemos o olho um no outro e percebemos. Mas tudo começou bem antes. Eu entrei na última empresa de Logística em que trabalhei e fiz algumas amizades bem aos pouquinhos. Um desses amigos chamava-se David, era conferente, um cara bem legal e completamente pirado que ficava me agarrando, me zoava e eu zoava ele. Mais velho do que eu, não demorou muito pra dizerem que tínhamos um caso às escondidas, pois ele era tipo um paizão louco. Três meses se passaram e chegou a época de minha efetivação. Eu, que estava estudando, não aguentava o rítmo frenético em que estava vivendo. Mas muita gente pediu que eu ficasse. David chegou em mim e falou:

"Poxa, cara, não vai não, a empresa é boa!!"

Mas eu estava irredutível,por mais que tudo aquilo das pessoas falarem pra eu continuar tivesse me dado um baque. Acabou que por esses motivos eu fiquei. Me lembro até hoje do dia em que cheguei no vestiário com o papel da contratação e vi sentado no banco o David com seu papel da demissão.

"É, eu tô saindo! Há tempos sonhava com isso."

A história do David na empresa era complicada. Desde muito antes de eu chegar, ele já tinha o desejo de sair. Um dos funcionários dirigia uma empilhadeira e atropelou seu pé. Tentaram manter-lhe lá, fazer acordo, não demitiram o funcionário, mas ele sempre foi irredutível: Queria deixar o lugar. Quando eu fiquei sabendo do caso do atropelamento, perguntei detalhes a ele e me contando, seus olhos se encheram de lágrimas: "Eu deixo nas mãos de Deus, doido. Não penso em vingança. Só quero sair mesmo."

Eu e o David nos despedimos no vestiário, ele estava muito feliz e deixou seu armário para um colega. Lembro até hoje que não consegui trabalhar direito naquele dia. E o pior, o cara que o atropelou continuava lá, e era um insuportável. Todo mundo ficava falando que meu marido tinha ido embora, que agora eu estava sozinho e triste. E em muito tinham razão. A última vez que vi David foi na estação de trem, eu entrei no trem e dei de cara com ele na porta. Ele estava voltando do exame demissional, a probabilidade daquele encontro era nula, mas aconteceu. Não era aquele louco da empresa, era alguém um pouco triste, sei lá. Ele tinha trabalhado três anos no local, é normal ter um impacto. Nos despedimos após uma conversa amena que nunca tínhamos tido na empresa. Eu nunca mais o vi dali em diante.

Mas a roda gira e para cada demissão há um substituto. Na segunda feira, chegou no turno da tarde um novo conferente. Ed. Lembro que fazíamos um briefing, uma mini reunião para apresentar as metas do dia. O Ed se apresentou naquele dia.

Eu era um péssimo separador de mercadorias. Meus pallets (espécie de carrinho de madeira onde colocávamos os produtos) eram difíceis de contar, e a tarefa do conferente era essa. Logo, eu travava guerras intermináveis com os conferentes. E o novato vindo da noite, Ed, seria um desses. Ele me chamou e me repreendeu pelo pallet mal feito que eu fiz. Então, com a maior má vontade do mundo, desfiz e recontei, corrigindo meu erro. É incrível como minhas amizades costumam começar com atritos. Cheguei a falar para o pessoal:

"Ô, aquele conferente novo é o maior folgado!! Chegou e já quer dar uma de bom."

Sei que não queria papo com o folgado. Em uma noite, então, na hora da janta, sentamos na mesma mesa. Não sei o que nos levou a conversar, mas o papo chegou às frutas. Estavam servindo alguma fruta na janta.

"E então, rod? Que tipo de fruta você gosta?"

Na maior inoscência, eu falei:

"Gosto de banana..."

Ele começou a sorrir maliciosamente pra mim, e eu que desde a apresentação dele sabia que ele era gay (GAYDAR, o radar gay) saquei a malícia, ficando muito sem jeito. Ele se aprofundou no papo das frutas e começou a fazer perguntas mais ousadas. Em momento nenhum falei que era gay, mas aquelas entrelinhas foram muito cômicas.

Logo, Ed me chamou para sair.

"Sair? pra que?"

"Pra ver um filme, oras..."

"Mas..."

"O que? Você não vê filmes?"

"Sim, mas depende do que você quer fazer..."

"Ver o filme, oras!!"

Ficamos nesse jogo por um tempo,até que ele ou eu acabamos por dizer a preferência. A partir de então, decidimos pela amizade e não demorou muito pra ele começar a namorar. Ele é fã de orientais, e conseguiu realizar-se namorando um. Seu namoro nos tornou muito mais amigos, eu vivia dando conselhos a ele, não gostava do japa, e o Ed vivia desconfiando que ele o traía, justificando assim suas traições. E eu sempre o aconselhando de que uma relação assim não era saudável. Compartilhamos lágrimas, brigas e reconciliamentos, risadas e angústias. Ambos temos personaidades tão fortes que se enfrentam e digladiam ineviavelmente, mas nos entendemos bem também!Muitos fatos de sua vida ele só compartilhou comigo, tal como eu com ele.

Atualmente, mesmo um ano depois de deixar a empresa, eu e o Ed continuamos amigos a todo vapor,é a única amizade que mantenho de lá, infelizmente. Ele agora está numa relação como outro oriental, novamente realizado, e fico na torcida pra que dê certo, até alianças trocaram. É isso ai, Ed, continuo na torcida aêw!!
terça-feira, 16 de março de 2010

Censura no país livre




Por exigência de um de meus "amigos", um dos posts teve que ser deletado. Segundo ele, não quer ter sua vida exposta em um blog. É direito dele, de agora em diante, esse amigo não será mais citado!! Por decisão dele mesmo, não importa o quanto este seja significante em minha vida, não constará por aqui mais informações sobre ele. É a paranóia de que alguém conhecido leia o blog, um blog lido por no máximo dez pessoas que nunca o encontraram na vida real. E depois ainda falam sobre mudar o mundo, sobre a hipocrisia da sociedade. Maior hipocrisia é viver nas sombras, com medo do que os outros pensam. Isso por que todos os nomes são fictícios. Mas tudo bem. Sei que escrevo aqui não pra me aparecer, mas para unicamente demonstrar que passei por esse mundo e que tive uma história, ainda que poucos conheçam. Mas não podemos mudar a cabeça dos outros. Devemos respeitar a privacidade alheia. Apenas lembrem-se que o que muda o mundo são nossas atitudes. Fica o recado.
domingo, 14 de março de 2010

Como meus amigos souberam? Parte I: Hayashi



Minha relação com Hayashi sempre foi das melhores e mais saudáveis. Nos conhecemos de forma inusitada: Eu, no intervalo da sexta série, pedi um pedaço do lanche dela na maior cara de pau. E ela me deu. Mas foi na sétima série que caímos na mesma sala e eu novamente fui até ela na base do puro interesse, com uma revista em japonês do Sonic, jogo que eu era super fã na época (ainda gosto do porco espinho), pedindo que ela traduzisse pra mim. Mas ela era naturalizada daqui e não entendia muito de japonês. Ainda assim, começamos a conversar e por dois anos, fomos os melhores amigos um do outro.

No final da oitava série, ela disse que precisava conversar na saída. A casa dela era virando a esquina de um morro. No caminho para casa ela me explicou que sua família teria que partir da cidade e que ela não sabia ao certo para onde. Na esquina da sua casa, ela ainda disse: "Você não vai fazer nada?" Tá, eu era lerdo demais pra perceber o que aquilo queria dizer. Hayashi partiu e eu me desesperei, cheguei a chorar escondido em casa, pensando por que a pessoa que eu tanto amava tinha que partir.

No colegial, ainda nos correspondemos por cartas e conversávamos horas no telefone, ela gastava um cartão telefônico por fim de semana, contando sua vida, conversando sobre diversidades em um rítmo que só fluia conosco. Ainda éramos amigos.

Mas o tempo passou, e suas cartas pararam. Seus telefonemas sessaram. O colegial acabou e descobri minhas preferências até então reprimidas.

O tempo passou. Voou. E eu enterrei a Hayashi dentro de mim, tendo somente suas cartas como memória. Um dia, então, recebi sua ligação, há uns três anos atrás ou menos, não me recordo ao certo. Ela estava em São Paulo e havia se lembrado de mim. Tivemos nosso encontro na Sé e passamos a reservar dias para sair juntos e conversar. Aos poucos, resgatamos aquela amizade há tanto perdida. Mas eu tinha mudado, e de um jeito ou de outro, ela teria que saber.

Fomos no centro comercial e deu uma chovidinha, ficamos bem próximos nos protegendo e ela contou que seu primeiro beijo foi se protegendo da chuva com um cara. Eu comecei a ficar com medo. Um dia, tínhamos voltado de sampa e estávamos cansados, então sentamos nos banquinhos próximos à esquina dela, falando de relacionamentos. Ela me contou como era difícil arranjar alguém, estando em São Paulo praticamente isolada de tudo que um dia teve. Contou que tinha medo de se relacionar. Eu à insentivei a continuar, disse que havia alguém lá fora esperando por nós. Levei-a até a porta da sua casa e então, antes de partir, ela me roubou um beijo, virando-se imediatamente e partindo. Segurei minha boca enquanto caminhava para casa. Como eu sonhei com aquele beijo, e agora que havia aquela possibilidade... eu estava pirando. Um detalhe interessante é que no mesmo dia deu aquele terremoto em São Paulo. Carma? Destino? Aviso dos céus??

Até então, eu nunca havia contado pra ninguém que eu era gay. Mas eu não poderia ficar com ela e arriscar tudo. Ela disse que quando um relacionamento não dava certo, ela simplesmente desaparecia. E eu já tinha perdido uma vez.

Não passou nem uma semana, era um sábado. Depois do trabalho, passei em uma lan house para fazer uns downloads e conversar no msn. Hayashi estava lá, e começamos a conversar. Ela foi bem direta (pelo msn é fácil) dizendo por que não poderíamos tentar, enquanto eu só dizia que não podia, que era complicado, etc.

"Complicado por que? Você por acaso tem alguma doença ou é gay, sei lá, coisa do tipo? Somos livres e desempedidos. E a gente se gosta!!"

Depois de muita conversa e dela desabafar muito,eu disse que não podia completá-la nesse quesito.

"Por que não?"

"Digamos que o que você falou lá em cima... seja verdade..."

"O que?"

Eu copiei e colei o trecho em que ela me questionou de ser gay. Ela não acreditou. Por muito tempo me questionou "você está brincando comigo, né?" "Eu não acredito" "Tem certeza ou só está falando isso pra gente não ter nada?"

No fim, ela aceitou, dizendo que tínhamos que nos encontrar. Nos encontramos e foi dificil falar do assunto no início, mas aos poucos ela compeendeu e aceitou o fato. Às vezes temos longas discussões sobre o que é o Homossexualismo, sobre o que pode ter acontecido comigo, rs. Mas não há por que discutir. Tudo estava dentro de mim, só precisava se libertar. Agradeço aos céus por hoje ter essa japonesa ao meu lado, agora namorando e tudo, espero que nunca mais suma, espero que seja até que a morte nos separe!! Te amu, japoneusa!!
sexta-feira, 12 de março de 2010

OBIs: Rumos que a vida toma




Esses dias me peguei lembrando de um acontecimento do passado, não gosto de ser nostáugico, mas acho que se veio à mente, deve ter alguma razão. Eu e meu amigo Will costumamos nomear como "OBI" (do original "Obsessão) aquelas pessoas que vez ou outra (ou sempre) povoam nossas mentes. A primeira "OBI" masculina da minha vida foi um cara chamado Kevin. Na época, acho que 2008, ou 07 não lembro, a Hayashi estava ainda desaparecida (vou tratar disso futuramente). Basicamente ela ficou sumida por alguns anos e voltou pra cá naquela época.

A época em que eu conheci o Kevin era uma época em que eu estava no começo de tudo. Talvez tenha sido a primeira vez que eu tenha ido sozinho na "T", sem o Will. Me sentei em um daqueles banquinhos e lembro que a pista ficou vazia por que todos se juntaram no palco para ver o show. Foi então que eu o avistei, caminhando solitário como eu. E por incrível que pareça, eu tomei uma iniciativa e estendi minha mão para ele, coisa que quase nunca faço. Ele me deu um sorrisinho tão puro...

PRIMEIRA REGRA DA OBI: Um sorrisinho, uma carinha de anjo, qualquer detalhe que passa despercebido pelo mundo para a vítima é a maior coisa do mundo.

Ele sentou perto de mim e conversamos muito (eu até então nunca conversava muito pra ficar e quando o fazia, eram papos chatos). Em meia hora soube que ele tinha 28 (com cara de 20), era separado de uma relação estável (tipo casado) e morava sozinho (eu nem sonhava em fazer sexo naquela era). Ficamos, e foi a melhor ficada da minha vida até então. Beijo bom, pegada leve e carinhosa, nos abraçávamos entre beijos, simplesmente incrível. Depois nos sentamos lá embaixo, eu no colo dele e ele percebendo que eu era bem tímido começou a me perguntar as coisas, confessei minha pouca esperiência e ele falou "Vou no seu rítmo".

SEGUNDA REGRA DA OBI: Qualquer coisa que essa pessoa diga, por mais normal e até insignificante que seja, faz seus olhos brilharem como se fosse algo do outro mundo.

Saí da "T" depois de trocar celular e me senti muito feliz diante da primeira possibilidade de namoro com um cara descente. Na segunda feira, não lembro ao certo como mas marquei com a Hayashi que acabara de voltar do fim do mundo e íamos nos encontrar em sampa. Ela estava morando na Penha. Fui naquela tarde encontrá-la na grandiosa igreja da Sé. Nosso encontro foi bem estranho, foi como jamais ter se separado, mas eu estava bem tímido. No viaduto Santa Ifigênia, ela me perguntou: Mas e ai, Rod, e as mulheres? Meu coração disparou. Afinal, a Hayashi foi inegavelmente minha primeira paixão. Sim, eu já gostei de mulheres, ou pelo menos tive tanto carinho e afeto que confundi as coisas. A questão era que nossas vidas tomaram rumos diferentes na esquina da rua da casa dela, onde ela confessou que iria embora de uma hora para a outra no fim da oitava série. Hayashi foi minha primeira "OBI", mulher no caso. Quando ela perguntou disso, falou da Pat, que na oitava série era a menina que todos achavam que eu gostava. E eu inclusive mentia gostar dela às vezes. Mas o mais estranho foi que pouco depois de mentir a ela dizendo estar à procura de uma mulher, meu celular tocou diante da São Bento. Era o Kevin. Disfarcei, tentando não expecificar gênero enquanto falava ao celular. Contei que estava com uma amiga e ele pediu para eu o encontrar ali em sampa. Então eu tomei a decisão que provavelmente mudou o rumo da minha vida. Eu disse não. Ele iria viajar a trabalho no dia seguinte e não poderíamos nos ver por um bom tempo. Ao desligar, disse a Hayashi que era a menina que eu estava enrolado, chamada "Adriana" (tá, eu era super idiota). Ela ficou empolgada e queria até falar com a "Adriana". Mas óbvio que não deixei. No confronto entre "OBIs", a Hayashi foi a vencedora.

Muito tempo passou, e em algumas vezes na "T", cheguei a ver o Kevin passeando, ele me olhava com uma cara feia, mas eu estranhamente não o reconheci no início. Só depois de muito tempo, eu cheguei a puxar assunto com ele, que estava com um amigo. Seu amigo cochichou com ele e veio até mim, perguntando meu nome. Eu saquei na hora que quem perguntava meu nome era o Kevin. Naquele momento, percebi o quanto fui tolo por ter pensado tanto em um cara que me tratou como mais um. Ainda assim prometi que da próxima vez que o encontrasse, eu o pediria em namoro ou ficaria com ele.

Então, o encontrei novamente na "T" e nunca o tinha visto tão feliz. Ele ria, se divertia, conversava e agarrava um rapaizinho (feio) e um grupo de amigos. Ele ficou com o rapaizinho. Depois disso, não voltou mais lá.

Mas a última vez que eu o vi foi na Parada Gay de 2009, a primeira que fui. Eu o vi e, instintivamente, estendi-lhe o braço, como na primeira vez.

"Oi, Kevin..."

Ele pegou na minha mão, sorriu (graciosamente) e disse:

"Oi, tudo bem?"

E então partiu. E nunca mais o vi.

Como ser humano falho que sou, mandei-lhe uma mensagem muito tempo depois disso, dizendo entre outras bobagens sinceras "Você me marcou muito, se ainda estiver sem ninguém..."

TERCEIRA REGRA DA OBI: Ela te faz falar as coisas mais sinceras e idiotas possíveis sem que você se dê conta ou se envergonhe disso. Pelo menos naquele instante. O arrependimento vem depois.

Pôxa, eu tinha que tentar. Não obtive resposta. Acabou assim, como quase todas as minhas histórias, sem terminar. Um dia ei de colocar um ponto final nas pendências. A vida não é um filme que as letras sobem no final, isso acho que é o que mais me incomoda nela. As coisas ficam pelo caminho, incompletas, esperando soluções. Esperando acontecer... Mas não acontecem talvez por incompentência. Hoje em dia sou mais inseguro do que era. Não estendo a mão a quem acho bonito. Eu tinha mais atitude. São as marcas que as "OBI"s nos deixam...
quinta-feira, 11 de março de 2010

Batendo na porta do céu



A VIDA É UM SALTO DE FÉ. TODOS DEVEREMOS PULAR UM DIA E ENCARAR AS ALTURAS.

Quanto mais você demorar, mais dolorosa será a queda..... em compensação, mais essa queda vai lhe ensinar o valor de cair.
segunda-feira, 8 de março de 2010

Primeira vez: Parte VII: FINAL: Devia ter complicado menos...



Caminhamos para o hotel, fiquei pasmo com o luxo do local, morri de vergonha. Sentamos em uma mesa, ele queria que eu aceitasse jantar mas não aceitei, só peguei um refrigerante. Ele pegou uma porção de comida e conversamos na mesa. O celular tocou e ele contou a um amigo que o htel era um máximo e que estava acompanhado, dizendo meu nome. Tudo bem, eu iria fofocar com os amigos também. Carlos terminou de jantar e subimos.
Eram umas onze da noite, ele disse que ia querer voltar no barzinho depois de escovar os dentes. Já não gostei da idéia, íamos para o quarto, sair pra que? Mas tudo bem, chegamos no quarto, ele escovou o dente e eu fiz bochecho com um pouco de pasta. Tirei algumas fotinhas do quarto (essas que vocês podem ver) e admirei a cama que cabia três. Nos olhamos, ele ligou a TV e começou a me beijar lentamente. Então pulamos na cama.

"ALELUIIIAA, AALELUUIAAA, ALELUIIIAA, AALELUUIAAA, ALEE-EEEELUUUIIIIAAAAA!!!"

Tenho a impressão que essa musiquinha tocou no momento do ato. Depois de tanto tempo, finalmente aconteceu. Óbvio que não vou expor minha intimidade aqui, considerando que este não é um blog de sacanagem. Mas posso dizer que, comparando a tudo o que ouvi sobre a primeira vez de muitos, essa foi acima da média. Depois de acontecer, ficamos deitados agarradinhos, conversando baixinho, a TV já não estava mais ligada, somente uma luz fraquinha. Depois, dormimos. Pela manhã, tomamos banho juntos, ele insistiu que eu ficasse, mas como eu sempre chegava bem cedinho quando dormia fora, não podia abusar. Então parti, e a primeira coisa que fiz foi, às sete da manhã ligar pro Will pra contar as novidades. Ele disse que sabia que algo tava rolando, pois eu não estaria tão sossegado tendo me dado aquele prazo. Enfim a espera acabou, e avaliando agora... quanto tempo perdido, ainda que involuntariamente. A batalha foi árdua, mas a guerra somente começou. A primeira vez foi difícil. Talvez a segunda seja pior ainda. Mas uma conclusão que tiro de tudo isso é que devo procurar alguém pra amar, alguém que valorize um sentimento. Transar com alguém que você tenha intimidade e que você goste de verdade, compartilhar aquele momento único de prazer a dois... com certeza deve ser a melhor das sensações. Ainda que eu sempre seja o último da fila para as questões do relacionamento, não desistirei nem desanimarei. Tá legal, às vezes desanimo um pouquinho, mas passa. O que vale é o progresso, ainda que demorado, ainda que venham as frustrações. Como disse Johnny Carlos Pimentel: "Todos querem subir ao topo da montanha... mas poucos sabem que a verdadeira felicidade e crescimento, ocorrem quando você está escalando-a". Escalemos, então!!
sábado, 6 de março de 2010

Primeira vez: Parte VI: O acaso vai nos proteger...



As coisas não estavam indo muito bem na minha busca. A busca em si pela mudança já não me animava mais. Então, praticamente desisti de minha meta. Entramos em fevereiro, e em um dia como outro qualquer, entrei em meu orkut gay só para ver se tinha algum recado como sempre fazia. E lá estava um recado de um cara. Jovem, cabeludo, sem camisa, foto diferente, mandando um oi ou coisa do tipo. Sem nenhum compromisso, respondi, já que não curto muito cabeludos. E fiquei de boa. Então, nos dias seguintes, recebi mais um recado adicionando. Perguntei coisas básicas como "de onde era" e logo já veio o msn para conversarmos melhor. Sua foto do perfil mudou, mostrando um cara bem diferente daquele primeiro cabeludo. Um cara de cabelo liso, corpo legal e tal. Adicionei no msn e em uma tarde nos encontramos, acho que era quinta feira.

Basicamente ele morava a oito horas de sampa, mas naquele fim de semana viria resolver alguns assuntos na capital, ficaria hospedado na Paulista. Contei o básico sobre mim, inclusive que não tinha muita experiencia e gostei daquele cara. Meio que no acaso nos conhecemos. Trocamos telefone e ele disse que no fim de semana me ligaria para nos encontrarmos. Mas eu senti que estava indo com muita pressa, sei lá. Enfim, era só um encontro, ninguém precisaria fazer nada que não quisesse. Dessa vez, decidi mudar a estratégia. Não contei nada ao Will e ao Ed, deixaria acontecer naturalmente. Na sexta feira, eu e Hayashi fomos a uma reunião com uma amiga dela que tinha planos para abrir um negócio conosco, algo bem ousado na verdade e o encontro foi legal, apesar de termos conhecido duas figuras curiosas que também fariam parte da equipe. Nessa, contei à Hayashi do que eu iria fazer amanhã, sabadão. Ela, como sempre, apresentou-me suas preocupações de eu realizar esses encontros, mas eu já a conhecia, ela se preocupava com minha gaylife em si. Will me ligou e estranhamente perguntou se havia algo que eu não queria lhe contar. Eu estava louco para contar mas não abri minha boca, deixaria tudo em segredo até acontecer!

No dia seguinte, acordei com uma estranha expectativa. Eu e Carlos, o rapaz da net, combinamos que se nos curtissemos, teríamos a noite no hotel. Sou inseguro por natureza, então acordei a mil. Ao meio dia, ele me mandou uma mensagem do ônibus, era um longo tempo de viagem, aquilo estava me deixando muito ansioso. Finalmente, às seis da tarde, ouvi pela primeira vez sua voz pelo celular, achei legal, não era como muitas vozes de caras com quem eu me encontrava, um quesito completo. Combinamos de um encontro às 8 da noite. Ele mudou o local do hotel, não seria na Paulista mas sim na República. Fiz os preparativos, disse à minha mãe que ia dormir fora e curtir aquela sexta feira, ela nem falou (muito). Fui, cara e coragem. Cheguei na estação e ele estava lá. Quando o vi, achei um pouco diferente das fotos que estavam meio embaçadas. Saímos da estação, conversando um pouco, caminhamos até o largo do Arouche e mostrei a ele a rua gay do local. Paramos na frente de um barzinho, aquele em que fiquei com o Leonard. Ele contou ser professor de filosofia, contou de alguns casos interessantes de sua vida, eu fiquei ouvindo bastante interessado. Ele não era um padrão de beleza, mas gostei dele. Tinha um papo legal, 27 anos e parecia mais jovem, só o que estragava era o cabelo "tigelinha". A foto inicial do cara cabeludo era dele com 17 anos, ainda bem que cortou, ficou melhor. De repente, surgiu um cara que conheci na baladinha uma vez, o qual olhei a noite toda, mas ele nem deu bola, sempre andando com um colega. O mais estranho é que o colega dele sempre me olhava e cochichava algo, o que fazia o outro olhar em minha direção. Aquela enrolação repetiu-se ali também, e Carlos reparou que eu olhei na direção deles. Contei o fato e ele então disse:

"Quase beijei você quando eles passaram. Mas nunca beijei em público assim."

Eu olhei para ele intrigado e me aproximei.

"Então essa vai ser sua primeira vez também."

Eu tomei a iniciativa, beijando-o. Me lembrei, inevitavelmente, do beijo do Leonard que demos ali naquele mesmo lugar. Mas era tempo de superar tudo aquilo. Era tempo de seguir em frente.

"Nossa, você não sabe o quanto eu esperei por isso. Via suas fotos no orkut, sem acreditar. Você é mais do que eu pensei que fosse."

Não sabia se aquilo era para conseguir o que ele queria, mas tomei minha decisão diante daquele bar. Quando ele me chamou para ir ao hotel, ainda receoso eu respondi:

"Vamos!"