quinta-feira, 25 de março de 2010

OBIs: A Suprema Obsessão: Parte III: Quando milagres acontecem...



Alvaro não morreu.
Teve alguns ferimentos leves, mas entrou para a caixa. Ficaria de três a cinco meses fora e teria que fazer fisioterapia. Eu estava sozinho. Em um setor isolado nos fundos da empresa, trabalhando com meu pior inimigo.

Meu coordenador agora era um japonês, gente fina até. Ele ficou sabendo que eu tive problemas com o Edgar e até conversou comigo sobre o assunto, pedindo que eu fosse nele se as coisas ficassem ruins de novo que ele resolveria.

Eu e Edgar trabalhamos alguns dias com a colaboração de alguns descarregadores de caminhão, mas na semana seguinte, novos auxiliares contratados especialmente para trabalhar no setor iriam chegar. Sempre na hora de ir embora, Edgar dizia que ficaria mais um pouco,que iria depois.

Na semana seguinte, conhecemos Osvaldo. Edgar ficou ensinando-lhe o trabalho inicialmente e logo percebi que o rapaz gostava de uma boa conversa. Edgar conseguia ser simpático com ele ao extremo e deixei os dois conversando. Osvaldo era bonitinho. Na hora da janta, primeiro foi Edgar e depois eu fui jantar com Osvaldo. Nesse momento, os outros auxiliares vieram perguntar o que Osvaldo estava achando do "chefe" Edgar. E ficou sabendo da maioria dos podres dele sem que eu precisasse abrir minha boca.

O que rolou nas semanas seguintes foi uma estranha e silenciosa batalha. Edgar demorava mais do que uma hora na janta e conversava o dia todo, enrolando para fazer seu serviço. Em revide, eu demorava na janta também, ficava com o Osvaldo de boa, e este aos poucos ia percebendo as folgas de Edgar, sempre reclamando pra mim. Um dia voltamos da janta e haviam umas latinhas que fizerambarulho quando abrimos a porta. Edgar saiu do meio dos Pallets logo em seguida. Provavelmente enquanto jantávamos, ele dormia ao invés de trabalhar. Osvaldo pedia que eu falasse com o nosso coordenador sobre tais problemas mas eu não podia. Pelo menos não por enquanto. Na hora de ir embora, Edgar sempre dizia que ficaria um pouco mais. Nós partíamos.
O segundo auxiliar chegou. Seu nome também era Edgar, mas o chamarei de Silva para não confundir. No primeiro dia que eu vi o Silva, falei:

"Cara esquisito."

Não falei muito com ele. Ele e Edgar ficaram trocando idéia sobre a época em que serviram o exército. as Silva parecia muito lerdão pra ter servido. Até sua forma de falar era mais lenta e mole, engraçado. Um dia ele olhou para mim, que quase sempre trabalhava quieto, evitando encrencas, e perguntou se eu era da congregação. Confirmei. Começamos então a conversar, ele também era. Ele contou que às vezes tinha um sonho em que se olhava no espelho e via um demônio. Esquisitão. Gostei dele.
Passamos então a ir jantar, nós três, e deixar o Edgar trabalhando sozinho. Ele se isolou por si mesmo.

Acho que foram dois meses naquilo. Em meio ao processo, ganhei outra atividade do meu coordenador e Osvaldo e Silva revesavam comigo, era sempre bom tê-los por perto. Naquele tempo, fiquei conversando com o Alvaro pela internet, o que era bem legal, ele ficava se vangloriando que estava de boa enquanto eu trabalhava.
Foi então que chegou aquele sábado. Edgar não veio trabalhar no horário. Tive que ir buscar um Pallet com Osvaldo lá na frente enquanto o Silva ficou trabalhando no setor sozinho. Conversamos bastante com o Jonas lá na frente, que falou muito sobre o Edgar e sua irresponsabilidade. Ele contou acreditar que algo bom acabaria acontecendo. Eu não tinha esperanças. Quando voltamos ao setor, Edgar havia chegado. Eu e Osvaldo começamos a discutir sobre o que faríamos e ele veio até nós, olhando bravo e dizendo:

"O que os dois estão cochichando ai?"

Um pouco antes do almoço, Edgar foi para minha mesa e começou a trabalhar perto de mim, me provocando. Não sei como começou, mas se desenrolou mais ou menos assim:

"Você devia ter tido vergonha na cara e ter ficado lá na separação, não devia ter voltado!! Sei muito bem que você fica de conversinha com o Jonas, que fica fofocando que nem uma mocinha!! Você não presta pra trabalhar aqui!! Em lugar nenhum!! É Muleque e tem muito o que aprender ainda!! Se fosse lá fora, Rod, eu já tinha lhe arrebentado a cara!!"

Óbvio que eu não fiquei calado. Ele batia repetidamente na mesa enquanto falava e eu o repelia na mesma intensidade, dizendo que ele não prestava. Provavelmente ele estava drogado. Osvaldo e Silva tentaram parar a briga que se estendeu aos gritos.

Deixei minhas coisas lá e fui amoçar sozinho, sem a companhia deles, que vieram logo atrás de mim. Confesso que estava mal. Não poderia levar aquilo a ninguém. Edgar era capaz de me atacar fora da empresa, como o Alvaro me disse uma vez: Ele era barra pesada. Silva e Osvaldo sentaram comigo e perguntaram se eu estava bem. Disse que não, e que seríamos vítimas dele enquanto estivéssemos ali. Vi Silva conversando com o Ed depois da comida, mas fiquei na minha. Desanimei completamente. Os dois começaram a insentivar-me a contar a verdade ao coordenador. Mas eu não podia.
Ed me chamou antes de eu voltar do almoço:

"Somos amigos?"

"Somos, ué..."

"Então por que você não me conta as coisas?"

"O Silva andou falando, né?"

"É, tive que saber por outro, ele disse que teve a maior briga lá no fundo!!"
"Teve. Não sei mais o que fazer."

"Você precisa dar um ultimato."

Voltando do almoço, Silva e Edgar subiram para imprimir etiquetas e eu fiquei com o Osvaldo. Eles voltaram e todos trabalharam em silêncio. Pensando hoje, como fui um idiota de aguentar tudo aquilo calado, eu deveria ter encostado o Dario na parede e ter exigido sair dali. Mas tudo bem.

Na hora de ir embora, descemos os três juntos e Edgar ficou para trás. Eu sabia que Edgar estava querendo acabar comigo e que eu estava em potencial perigo. Os dois atravessaram a rua, pois peavam o ônibus do outro lado. Então, Edgar virou a esquina e caminhou na minha direção. Lembro que meu coração disparou. O tempo pareceu dilatar-se. Parecíamos estar somente nós dois naquele local. Ele caminhou e passou por mim lentamente. Não o olhei. Fiquei de cabeça erguida e ele passou por mim, não sei se me olhou ou não. Partiu.

Segunda feira foi dia de inventário, onde nosso setor era o que mais participava pois tinha ligação com a contagem. Ed me chamou próximo ao horário de saída.

"Você não parece bem, está abatido."

"É, eu to meio estranho, encurralado, na verdade. Eu tenho que contar ao meu coordenador o que ele fez mas não posso. Sei que as coisas ficarão feias se eu fizer isso."

"Confie na providência divina, é bom as vezes. Acho que Deus não deixaria nada te acontecer."

"Só um milagre pra me salvar mesmo."

Foi então que chegou terça feira. Eu decidi contar ao meu coordenador o que havia acontecido. Logo que eu cheguei, soube que haveria uma reunião às duas horas da tarde. Passei pelo Edgar e virei a cara. Acho que jamais o encararia de novo. Cheguei no meu setor e meu coordenador me chamou. Saímos andando e conversamos.

"Você acha que o Edgar trabalha bem?"

"Não posso dizer. Você é o coordenador."

"Estamos pensando em tirá-lo do setor, você acha que daria conta?"

"Eu daria. Mas não quero que ninguém se prejudique."

Subimos no segundo andar e eu peguei as etiquetas. Mauro, o supervisor da empresa me cumprimentou e pediu que eu chamasse o Edgar para lá, pois o rádio não estava funcionando. Voltei ao meu setor e, sem olhar para o infeliz, dei o comunicado.

"Estão te chamando lá em cima."

Só disse isso. Ele largou o que estava fazendo e partiu. Dez minutos se passaram e fomos chamados para a reunião. A empresa toda, incluindo RH, cozinheiros e limpeza estava presente. Vimos movimentação de seguranças nos arredores. O diretor da empresa desceu e juntou-se a nós. Nunca vi uma reunião tão completa. Só faltava uma pessoa.

Edgar colocava latinhas vazias para acordá-lo quando chegávamos.

Ele dizia que ficaria um pouco mais todo dia enquanto íamos embora.

Ele não estava presente na reunião.

Então, o diretor se pronunciou.

"O funcionário Edgar não faz mais parte de nosso quadro de funcionários."

Jonas disse que algo bom poderia acontecer em breve. Ed disse para eu confiar no divino, pois um milagre poderia acontecer.

Não pude conter o meu sorriso e surpresa enquanto ouvia aquelas palavras serem pronunciadas...

"Edgar foi pego roubando produtos no setor novo. O forçamos a se demitir sem nenhum direito, caso contrário chamaríamos a polícia..."

Isso é o que eu chamo de providência divina!!!

Infelizmente não foi ai que a história de Edgar acabou em minha vida...

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